Por Carlos Alberto Sardenberg
O governo da presidente Dilma anda preocupado com as palavras. Algumas devem ser banidas. "Faxina", por exemplo, nunca existiu. A queda de quatro ministros e vários funcionários de primeiro escalão, envolvidos em denúncias de corrupção, foi apenas uma "reestruturação" do governo.
"Privatização" também não existe. O governo vai vender para empresas privadas a operação (e reformas) dos Aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília - mas o nome disso é "concessão".
É tudo para o público interno. A "faxina" é um ataque direto ao governo Lula, já que os demitidos eram todos, herança da administração anterior. Já a "privatização" é uma ofensa dupla. De um lado, atropela idéias de petistas e aliados à esquerda. De outro, ataca, de novo, membros do governo anterior, tanto esquerdistas quanto não, ideológicos, considerados responsáveis pelo atraso nas reformas dos aeroportos.
Mas se fosse apenas uma questão de nomes, poderia passar perfeitamente. Se a presidente aprofundasse o combate à corrupção e apressasse as obras nos aeroportos, tudo bem, podem chamar como quiser.
O problema é que as coisas não andam. A "faxina" parou e os leilões de privatização já foram transferidos para janeiro de 2012 - isso se der tudo muito certo.
E corre o risco de não dar. Primeiro pelas dificuldades normais da burocracia, do custo Brasil e da ineficiência do setor público. Segundo, porque parece que está saindo uma privatização envergonhada.
O governo está colocando exigências difíceis e caras para os concessionários. Algo assim: então as empresas privadas querem os aeroportos? Pois vão ter de dançar miudinho.
A necessidade de privatização indica que o governo não tem os recursos nem a capacidade de apresentar aeroportos decentes. Significa, portanto, que é uma óbvia confissão de fracasso do modelo controlado pelo governo. Mas, em vez de os responsáveis saírem de mansinho - "desculpa aí, pessoal, foi mal" -, parece que estão tentando criar exigências para dificultar a vida dos futuros concessionários. Se estes também fracassarem, seria um alívio, não é mesmo?
Enquanto isso, já sabemos que para a Copa do Mundo, certamente, e para a Olimpíada, provavelmente, ficaremos com os puxadinhos. Qual o problema? São muito decentes, diz o pessoal do governo.
Passei outro dia pelo novo puxadinho de Guarulhos. Estava em ordem - banheiros, lanchonete, telas de avisos, cadeiras, tudo limpinho -, mas reparem na operação. Os passageiros fazem o check-in e passam pela verificação de bagagens nas mesmas instalações lotadas do prédio principal. Feito isso, tomam um ônibus num terminal deste mesmo prédio. O ônibus deixa todos no puxadinho. Chamado o embarque, todos vão caminhando até o avião, sujeitos às variações do tempo. Assim, o puxadinho apenas alivia a lotação nas salas de embarque.
É decente? O.k., mas não é bem o que se imagina quando os governantes brasileiros saem pelo mundo dando lições de governança.
A propósito, o pessoal do governo também tem bronca com essa palavra. Não é puxadinho, trata-se de um "módulo provisório". Mas pelo menos lá, em Guarulhos, todos os funcionários e passageiros chamam a coisa de puxadinho.
Quanto à faxina, o problema é mais complicado. A melhor imagem da presidente Dilma está justamente no combate à corrupção. Mas parece que ela e seus assessores não estão gostando disso. Querem a imagem de realizadora, tocadora de obras.
Que fazer? Copiar o modo Lula. Se algo não está funcionando bem, lance um novo programa. Se o programa não dá resultados, lance outro. Se há problemas complicados em um setor, lance um plano para outra área, uma idéia qualquer que pareça interessante e de fácil visibilidade.
A presidente Dilma já lançou vários programas - como o Brasil Sem Miséria e o conjunto de apoio à indústria nacional -, mas não funcionou, conforme avaliação dos próprios integrantes do governo.
Dirá o leitor que a avaliação não faz sentido. São programas de médio prazo - como se pode dizer que não funcionaram poucos meses depois de lançados?
Mas não está aí a preocupação do governo neste momento. Os planos não pegaram em outro departamento, o do marketing político-eleitoral, onde Lula exibia o máximo de sua capacidade de convencimento. Lançava, prometia e seguia em frente.
Tome-se a transposição do Rio São Francisco. Lula, no lançamento, chamou de maior obra de seu governo (a mais cara certamente é) e prometeu inaugurar tudo até dezembro de 2010, término de seu mandato.
A expectativa mais otimista, hoje, é a conclusão de um primeiro trecho no final do mandato de Dilma. Em resposta à reportagem deste Estadão, o Ministério do Planejamento explicou que a obra não ficou pronta nem ficará tão logo porque foi preciso negociar "aditivos" aos contratos. E, claro, o projeto já está bem mais caro. Ou seja, estava malfeito, não é mesmo?
Como não faz sentido reprometer a mesma coisa - que traria implícita outra confissão de fracasso da gestão anterior -, é preciso lançar outros programas. Pode reparar, toda vez que se vê em dificuldades, o governo anuncia algum plano. O problema de marketing político, e sem solução, é que falta Lula para animar os lançamentos em palanques pelo Brasil.
Poderiam chamá-lo para a festa, mas isso atropelaria a presidente Dilma. Que fazer? Mais programas e tocar na base do puxadinho.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
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