Depois de ter falado grosso e garantir que não alteraria as regras para a Copa, o governo brasileiro se submeteu às reivindicações da Fifa e admitiu alterar a legislação proposta para o Mundial de 2014. De acordo com a Carta de Formulação e Mobilização Política desta terça-feira (4), não há dúvida: direitos, garantias e princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor estão sendo atropelados pelas reivindicações da entidade máxima do futebol mundial, com o devido consentimento do governo Dilma Rousseff. Leia abaixo a íntegra do documento.
Dilma Rousseff embarcou para Bruxelas, onde se encontraria com a cúpula da Fifa, falando grosso: “Minha querida, isso é uma lei brasileira. E não pode mudar. Não é uma questão de querer ou não querer”, afirmou ela a Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, no domingo, a respeito da Lei Geral da Copa. Durou pouco. Ontem, a comitiva presidencial admitiu alterar pontos da legislação proposta pelo governo brasileiro para o Mundial de 2014.
Os jornais de hoje registram o “recuo” da delegação brasileira em relação aos ditames da Fifa. Dilma saiu de encontro a portas fechadas com Jérôme Valcke, sem permissão para registro nem mesmo do fotógrafo oficial, tendo aceitado rever a Lei Geral da Copa, que o governo federal divulgou há duas semanas, submetendo-se às reivindicações da entidade máxima do futebol mundial.
O governo brasileiro dizia que pontos como a meia-entrada para idosos e estudantes seriam intocáveis. Agora só garante mesmo o direito da terceira idade, assegurado pelo Estatuto do Idoso; a de quem estuda subiu no telhado. Na semana que vem, representantes dos 12 estados-sede serão convocados a Brasília para “aparar as arestas”, já que são estaduais as leis que preveem o desconto para jovens.
O destino da meia-entrada para estudantes na Copa é favas contadas: não sobreviverá ao veto da Fifa. “As cidades temem ficar expostas e se sentirem obrigadas a ceder, sob pena de terem papel secundário na definição do calendário de jogos. Ou seja, há sedes que temem, caso decidam não ceder aos desejos da Fifa, não receber jogos das fases mais importantes do torneio”, analisa O Globo.
Entre outros itens que serão devidamente adequados às vontades da Fifa estão também o fim da proibição de venda de bebidas alcoólicas nos estádios e o combate mais rigoroso à pirataria. Até na definição dos preços dos alimentos a serem vendidos nas arenas prevalecerá o desejo do pessoal de Bruxelas.
As razões apresentadas são, digamos, as mais republicanas possíveis. No caso da liberação da venda de bebidas alcoólicas, interditadas nos estádios brasileiros por leis estaduais e por um acordo entre a CBF e o Ministério Público a fim de coibir a violência entre torcidas, a explicação é singela: uma cervejaria é uma das principais patrocinadoras da Copa. Logo, não poderia ficar fora da festa…
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) não tem dúvida: vai sobrar para o consumidor brasileiro, prejudicado pela submissão do governo federal às exigências da Fifa. Direitos, garantias e princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor estão sendo atropelados, como mostra hoje O Estado de S.Paulo.
O Idec lista alguns pontos em que isso fica explícito na Lei Geral da Copa: 1) ela não deixa expressa a responsabilidade da Fifa de ressarcir e reparar danos sofridos pelos consumidores; 2) dá à Fifa plenos poderes para estabelecer preços e condições de cancelamento, devolução e reembolso de ingressos; 3) permite remarcação e cancelamento de escolhas de assentos, além de mudança de datas e horários de jogos sem aviso prévio.
Ainda de acordo com o Idec, a Lei Geral da Copa também abre possibilidade da chamada “venda casada” de ingressos e permite a cobrança de multas em caso de o torcedor desistir ou cancelar a sua compra. Tudo em flagrante desrespeito ao nosso Código de Defesa do Consumidor.
A Fifa parece satisfeita com o cabresto que colocou nos organizadores da Copa brasileira. “Estamos trabalhando juntos para que a Constituição brasileira garanta os direitos dos brasileiros e, ao mesmo tempo, contemple as necessidades da Fifa”, disse Valcke. E acrescentou, num tom algo mafioso: “Ou trabalhamos juntos e ambos ganhamos ou não o fazemos e ambos perdemos”.
Docemente constrangido, o governo brasileiro vai aceitando as imposições da Fifa, depois de ter teatralmente empostado a voz e jurado soberania. Tudo em nome deste “evento especial e único” que é a Copa do Mundo de Futebol, uma festa que, pelo visto, o povo brasileiro vai acabar assistindo mesmo é pela TV.
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